Como o Brasil lida com os efeitos do recente rompimento da barragem de Brumadinho, que despejou cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos e resíduos de mineração na área administrativa, refeitório e cidades próximas da mineradora Vale do Rio Doce - causando 179 mortes e o desaparecimento de 131 pessoas, na atualidade contam - antes de continuar contaminando os rios, os efeitos do rompimento da barragem de Fundão em 2015 estão sendo sentidos nos corais que circundam as ilhas primitivas que formam uma área única de proteção ambiental e um importante parque nacional.
Após o colapso da barragem de Fundão - Fundão era o nome da barragem de propriedade da Samarco, uma joint venture entre as gigantes da mineração Vale do Rio Doce e BHP Billiton - perto da cidade de Mariana no estado de Minas Gerais, em 5 de novembro de 2015, o minério rejeitos e outros resíduos de mineração contidos em uma onda maciça de lama e lodo contaminaram o Rio Doce por cerca de 500 km. A onda de lama destruiu tudo em seu caminho até a foz do Rio Doce, na pequena cidade costeira de Regência, no estado do Espírito Santo, onde a pluma marrom em forma de leque atingiu o mar. A pluma se estendia por quilômetros ao largo e uma das grandes incertezas era se chegaria ao arquipélago dos Abrolhos, no litoral sul da Bahia, a 250 quilômetros ao norte da foz do rio. O colapso da barragem de Fundão liberou aproximadamente 39,2 milhões de metros cúbicos de rejeitos e outros resíduos. Os rejeitos chegaram ao rio Gualaxo do Norte, atravessaram o leito e se esvaziaram no Rio Doce. Acredita-se que 20,3 milhões de metros cúbicos de material tenham sido depositados na barragem da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves (Candonga). Outros 18,9 milhões de metros cúbicos de rejeitos seguiram o fluxo dos cursos de água e chegaram ao mar em 21 de novembro de 2015.
"Cerca de três meses após a chegada dos rejeitos de Fundão na foz do rio, observamos em Abrolhos um aumento correspondente nos metais pesados que essa lama carregava", lembra Heitor Evangelista, geofísico, pesquisador e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro ( UERJ). "Foi a prova de que algum material invisível havia chegado. A água em Abrolhos permanece transparente, mas tem materiais mais finos e solúveis que chegam lá e, na chegada, foram incorporados pelos organismos."
Durante anos, Evangelista vem pesquisando os corais do Parque Nacional de Abrolhos, na Bahia. A informação química contida no esqueleto das espécies existentes, ajuda a contar a história do ecossistema marinho local, como a temperatura da água ao longo do tempo.
"Corais são organismos que, à medida que crescem, formam um esqueleto, que está sendo empilhado. O tecido que forma o coral é milimétrico, tudo o que tem dentro é esqueleto. Se você cortá-lo, verá as camadas. Cada uma delas representa um ano de crescimento ", explica Evangelista. "À medida que cresce, armazena informações da coluna de água. Tudo o que acontece na água, deixa um registro nos esqueletos. Coral é um monitor, um bioindicador, das coisas que acontecem, com a vantagem de manter esse ano de informação por ano, e podemos, através de análises químicas, resgatar essas informações do passado ".
Alguns desses elementos contidos na lama que chega à foz do rio são formados por partículas muito pequenas, incluindo oligoelementos, que se solubilizam na água e são transportadas pelas correntes predominantes. Quando essas pequenas partículas atingiram os corais, foram registradas nas linhas de crescimento de seus esqueletos.
Os pesquisadores mediram a concentração de 46 elementos químicos nos corais, alguns dos quais, como zinco, cobre, lantânio e cério, atingiram o pico logo após a chegada do lodo. "Esses materiais provavelmente estavam no vale do Rio Doce, e quando a lama chegou, arrastou tudo. Foi como uma onda de choque, que levou esse material rapidamente para Abrolhos", diz Evangelista. "Outros elementos aumentaram constantemente após a chegada da pluma, como o arsênico".
Em um relatório de quase 50 páginas, os pesquisadores apresentaram análises detalhadas da presença de metais na região. Além da UERJ, a pesquisa contou com o apoio da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Ao longo do trabalho de monitoramento da dispersão do lodo de mineração no mar, o professor Evangelista, juntamente com seus alunos, atualizou uma página no Facebook - Abrolhos Sky Watch - com imagens de satélite mostrando o curso da pluma de sedimentos, para que a sociedade também impacto da tragédia. O estudo destacou que, mais de três anos após a ruptura e o colapso da barragem de Fundão, os danos ambientais causados pelas empresas de mineração ainda não foram totalmente medidos e contidos, tanto no interior quanto no mar. Devido à negligência das empresas de mineração e do governo brasileiro, os ecossistemas continuarão sendo contaminados e degradados. O risco é que o frágil equilíbrio ecológico que favorece a formação de corais possa ser afetado, por exemplo, com a proliferação de outros organismos prejudiciais. Somente o monitoramento a longo prazo determinará o nível de impacto ambiental, já que não há parâmetros globais para essa forma de contaminação de corais.